Sonho de pai

Num destes dias, dei uma palestra para o círculo de pais e mestres do Colégio Israelita Brasileiro, em Porto Alegre. Às tantas perguntaram-me se eu colocaria o meu filho – que vai fazer dois anos – no colégio. Respondi que sim. E aí perguntaram-me o que esperava eu do colégio. É o que respondo agora.

Talvez seja melhor dizer, primeiro, o que não espero do colégio, e isto pode ser resumido numa frase: não espero, e não desejo, que um colégio judaico transforme o meu filho num ritualista, numa pessoa que cumpre preceitos religiosos sem saber exactamente o que está a fazer, nem porquê; numa pessoa rígida, intolerante, voltada para o passado ao invés de estar preocupada com o presente e com o futuro.

Não digo que o passado não seja importante. Eu gostaria que o meu filho conhecesse a história judaica e, sobretudo, que a entendesse como parte da história da humanidade. Gostaria que o meu filho soubesse que tudo que aconteceu aos judeus não resultou nem do acaso, nem de um desígnio misterioso; se os judeus foram muitas vezes bode expiatório, isto aconteceu porque foram apanhados no entrechoque violento de forças e interesses contraditórios: feudalismo versus capitalismo, capitalismo versus socialismo e assim por diante. Eu gostaria que este conhecimento da História e dos mecanismos que fazem a sociedade dessem ao meu filho sabedoria e tranquilidade; que o livrassem dos fantasmas da paranóia, doença tão comum entre nós.

Eu gostaria que o meu filho tivesse acesso à cultura judaica, tanto por ela ser judaica como por ser cultura. Gostaria que ele tivesse o mesmo prazer e a emoção eu que sinto ao ler os contos de Scholem Aleichem, Mendele e Peretz; as histórias de Isaac Babel e Michael Gold; os livros de Below, Malamud, Bashevis Singer e Philip Roth. Gostaria que ele ficasse extasiado diante dos quadros de Chagall, que gostasse de música Yidish, das canções hebraicas, da dança de Israel. Gostaria, modestamente, que ele lesse o que eu escrevi e que sentisse o judaísmo nos meus próprios livros: gostaria disto, como pai e como judeu. Gostaria que o meu filho tivesse bagagem intelectual sem ser pedante; que compreendesse que literatura, música e pintura devem tornar as pessoas melhores – não superiores – que sentir é tão importante como saber. Gostaria que ele aprendesse a chorar como só os judeus sabem chorar, e a rir como nós: aquele nosso meio sorriso, meio amargo, meio filosófico.

Gostaria que o meu filho estivesse solidário com Israel. Que compreendesse o quanto o Estado significou em termos de elevar a dignidade do povo judeu e da magnífica experiência humana. Gostaria que o meu filho tivesse a mentalidade de um kibutznik, mesmo vivendo no Brasil, ou talvez justamente por isto: gostaria que o meu filho tivesse um ideal e que lutasse por ele, não se sacrificando, porém, a fantasias neuróticas. Gostaria que o meu filho não fosse um sectário: que não colocasse, em pólos irremediavelmente opostos, judeus e árabes, israelianos e palestinianos. Que soubesse que neste mundo há lugar para todos, é só uma questão de ajuste. Que soubesse que, de cada vez que há uma guerra, alguém lucra com isso.

Não sei se é pedir demais em troca da mensalidade escolar. Mas, afinal, a educação tem uma componente de sonho enxertado na dura realidade quotidiana. E sonhar não é proibido.

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