20/08/1997
Sentenças judiciais nem sempre têm sido muito felizes, no que diz respeito aos direitos humanos, mas este 20 de agosto marca o qüinquagésimo aniversário de uma decisão jurídica que se tornaria um marco não apenas na história da justiça como na da ética médica. Naquela data o Tribunal de Nuremberg condenou 23 médicos nazistas por participação em atividades de genocídio.
O número não chega a ser impressionante. E os réus eram, na verdade, figuras secundárias. Ali não estava, por exemplo, Adolf Eichmann, que injetava corante nos olhos de crianças para torná-los arianamente azuis, ou que matou uma criança com suas próprias mãos para confirmar o diagnóstico da tuberculose, posto em dúvida por colegas. Como outros, ele tinha escapado – para ser alcançado depois pelo longo braço da justiça israelense.
Importante, contudo, foi a sentença. Porque, anexa a ela, estava um documento que depois se tornaria conhecido como o Código de Nuremberg. Em sua defesa, os médicos nazis haviam alegado que estavam agindo em nome da ciência; para evitar que esta afrontosa alegação servisse de desculpa em crimes posteriores, o Código de Nuremberg estabeleceu vários princípios. Que hoje nos parecem óbvios: um experimento médico só pode ser feito com o consentimento da pessoa; deve proporcionar resultados que beneficiem a humanidade; deve evitar qualquer sofrimento. Que os doutores nazistas tenham violado princípios tão básicos mostra a que ponto chegaram em sua degradação. Mas não só eles, obviamente; em Tuskegee, no Alabama, médicos deixaram de usar a penicilina em pacientes negros com sífilis para observar como evoluiria a doença não tratada (um conhecimento, diga-se de passagem, há muito registrado nos manuais clínicos).
Robert Louis Stevensen criou as figuras de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde, o médico e o monstro, para simbolizar o antagonismo entre o bem e o mal. Nos doutores nazistas este antagonismo desapareceu: eram médicos e eram monstros. Diante da enorme quantidade de pessoas indefesas, a medicina optou pela extrema crueldade das experiências sem sentido, da tortura impiedosa, das câmaras de gás. Uma experiência que os médicos da ditadura, por exemplo, herdaram e que praticaram – inclusive aqui no Brasil – até há muito pouco tempo.
Cinqüenta anos depois da sentença do Tribunal de Nuremberg é necessário lembrar, ainda uma vez, que a medicina surgiu, única e exclusivamente, para ajudar o ser humano. Qualquer ser humano.