A crônica hoje

A minha experiência com crônica data de 1974 quando comecei a escrever semanalmente para o jornal Zero Hora de Porto Alegre. No meu caso foi uma experiência no mínimo curiosa; ate então eu só escrevera textos ficcionais, para serem publicados em livros ou em suplementos literários. Mas fazer crônica e diferente, como e diferente a pagina do livro da pagina do jornal. Sim, em ambos os casos trata-se de texto impressa, destinado a um público, mas as diferenças são grandes, e históricas. Para começar, o livro tal como o conhecemos, surgiu antes do jornal; e do século quinze, enquanto o jornal só aparece no começo do século dezessete. Ao contrario do livro, que em geral tinha um tema único, tratava de vários assuntos num estilo que nem sempre era refinado, literário. Estabeleceu-se uma divisão: os escritores eram uma antiga aristocracia; os jornalistas eram os arrivistas. Os escritores escreviam para a eternidade; os jornalistas estavam presos aos assuntos do momento, nem sempre agradáveis. Escritores falavam mal do jornal: “Da primeira a ultima linha, nada mais e que um circo de horrores”, disse Baudelaire. Edmond e Jules Goncourt acrescentaram: “Efêmera folha de papel, o jornal e o inimigo do livro como a cortesã e inimiga da mulher decente.”

Os escritores podiam fazer pesquisas formais, mesmo que estas resultassem em textos obscuros; os jornalistas tinham, e têm, a obrigação da clareza. Os escritores podiam e podem se estender por muitas paginas. Os jornalistas precisam limitar-se a um espaço previamente fixados. Se lhe são solicitadas quarenta linhas então o texto devera ter quarenta linhas. Se for maior, o editor vai ter de cortar – e qual o critério para isso? Se forem menos de quarenta linhas, sobrara um espaço – e como preenchê-Io? Além disto, os jornalistas têm prazo para entregar a matéria, coisa que raramente ocorre com os escritores.

De qualquer modo, porém, muitos escritores aderiram à nova forma de comunicação com o público – por exemplo, através do folhetim, equivalente à novela de tevê: uma obra de ficção publicada em capítulos (ou fascículos) que, no século dezenove, era muito popular, graças a autores como o inglês Charles Dickens, cujos textos eram inclusive enviados para os Estados Unidos: multidões aguardavam no porto o navio que trazia os fascículos. No Brasil, José de Alencar também ficou conhecido desta maneira. Em nosso país, aliás, surgiu um gênero que se tornou o elo de ligação entre literatura e o espaço jornalístico: a crônica, praticada por grandes nomes como Machado de Assis e Lima Barreto. No começo era basicamente um gênero intimista; lírica, poética, meditação sobre o cotidiano das pessoas – a versão literária da conversa de bar que, nas mãos de um Rubem Braga, de um Fernando Sabino, de um Paulo Mendes Campos, de um Luis Fernando Verissimo, deu grandes textos. Era um respiradouro, uma brecha na massa não raro sufocante de notícias.

Se considerarmos a crônica clássica, aquela que vai, digamos, de Machado de Assis a Rubem Braga, constataremos que houve uma mudança ao longo do tempo. A crônica era um gênero intimista, uma lírica, poética, meditação sobre o cotidiano das pessoas. Mas a mídia mudou: tornou-se mais objetiva, mais “dura”, privilegiando a notícia, a análise, e o comentário sob forma de coluna. Perdeu espaço, como outros gêneros, que praticamente sumiram dos jornais: o folhetim, o conto, a poesia. E é dirigida para um público obviamente restrito. Apesar disso, continuo achando que a crônica precisa de espaço nos grandes veículos. Trata-se de um respiradouro, de uma brecha na massa não raro sufocante de notícias. E é um gênero literário eminentemente brasileiro, que nas mãos de grandes cronistas, deu verdadeiras obras-primas. A crônica, com seu característico de mensagem pessoal, humaniza o veículo, alegra e comove o leitor.

ILUSTRAÇÃO: Hugo Enio Braz

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp