Quando o fantástico se junta ao humor o resultado é no mínimo insólito, surpreendente, inesperado, sobretudo se for o humor judaico levado ao extremo, autopunitivo, a meio caminho entre o desespero e a ironia. Junte-se a isso, doses bem controladas de erotismo, de sagrado (e de uma permanente tentação de dessacralização), uma certa jocosidade, e temos os principais ingredientes que compõem a arte do contista Moacyr Scliar.
Essa simples mistura, evidentemente, não basta para fazer um bom conto ou agradar o leitor. Isso depende exclusivamente do talento do autor, da perícia com que controla a técnica do conto, de sua visão maliciosa do mundo, da eleição dos temas, de uma certa impiedade com que trata as personagens, em contraste com a sua piedade pela condição humana. A contradição é a primeira marca do humano. E o universo de Moacyr Scliar é povoado por seres humanos, ou atormentados por sentimentos humanos, sejam eles simples mortais, um anão que vive no interior de um aparelho de televisão ou um cadáver, deitado na mesa de um necrotério, que avalia e julga os alunos de Medicina que lhe retalham o corpo.
Situação insólita mais realismo da descrição e o resultado é a mudança de perspectivas do conto, a sua sedimentação como apólogo ou parábola do mundo moderno. Claro, quando se fala dos dias atuais, a violência, a crueldade do homem para o semelhante, a exacerbação do sexo, utilizado como elemento de dominação, têm de estar presente.
Uma outra grande vertente da ficção de Scliar é a vida dos imigrantes judeus, as dificuldades de adaptação, a persistência em manter hábitos trazidos de sociedades muito diversas que, como observa Regina Zilbermann no prefácio, enfocadas com uma mal disfarçada ternura, constituem a forma mais aguda da arte de Scliar assumir sua própria individualidade e significação.