Na crônica, como em tudo mais na vida, cada um dá o que tem. No caso do cronista, há ainda uma peculiaridade: ele não só transmite o que lhe está na alma, como precisa se despersonalizar ou se desdobrar, sei lá, para captar os mistérios e as banalidades do cotidiano. É como uma antena (talvez parabólica) aberta para o mundo, captando novidades, sempre filtradas através de um temperamento e uma história de vida.
Quanta complicação para dizer que o cronista Moacyr Scliar, um dos grandes ficcionistas do país, revela a cada momento em suas crônicas a sua situação de médico e de judeu, filho de imigrantes, muito orgulhoso de ambas. Essa condição acentua a sua visão crítica da vida e “muitas vezes o ângulo irônico, quando não humorístico” (humor judaico), como salienta Luís Augusto Fischer no prefácio às Melhores Crônicas Moacyr Scliar, aliás recolhidas em livro pela primeira vez.
Nada mais natural também que, como ficcionista autêntico, muitas de suas crônicas estejam mais identificadas com a ficção do que com a crônica pura, sem fermento. Ótimo. O fermento da imaginação, sobrepondo-se à simples observação, muitas vezes tem o dom de cutucar o leitor, de despertá-lo para uma outra dimensão da realidade, quando não lançá-lo em pleno absurdo.
O absurdo serve também, quase em surdina, para a crítica social, a condenação das vaidades humanas, a reflexão sobre as armadilhas da vida moderna.
Mas, seja em seus mergulhos no absurdo, seja na captação do cotidiano, o cronista nunca perde o poder de se comunicar com o leitor, através de uma linguagem clara, coloquial, sem rebuscamentos, a linguagem do povo, mas depurada por uma rígida disciplina. Como observa Fischer, “sua crônica proporciona ao leitor a agradável sensação de compartilhamento, que temos ao conversar com um parceiro”. Pode haver melhor diálogo?